Guerra fiscal. Texto e contexto

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  • A Constituição Federal “cidadã” (expressão de Ulysses Guimarães, ao promulgá-la em 1988), promoveu repartição das rendas tributárias em maior volume para Estados e Municípios, deixando, todavia, um cheque em branco para a União reconquistar sua participação relativa no bolo tributário mediante a invocação uma palavra mágica: “contribuições sociais”. Como estas contribuições não são partilhadas com Estados e Municípios, a União foi progressivamente abocanhando parcelas de renda a este título (Pis, Cofins, Contribuição sobre o lucro líquido).

Logo, a “guerra fiscal”, como substrato da recomposição do poder político definido pelo maior volume de recursos tributários contido no respectivo erário, já se iniciara tão logo a Carta de 1988 saiu às ruas.

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• Até 1996, os Estados tinham, como uma de suas fontes de receita tributária, a derivada da competência de exigir o Icms sobre produtos primários e semi-elaborados exportados. Com o advento da Lei Kandir (LC 87, de setembro de 1996), essa fonte secou. Embora a União assumira o dever legal de ressarcir os Estados das perdas dessa receita advinda das atividades de exportação, a partir de 2005 ela reduziu significativamente a consignação nos orçamentos federais dos valores a serem repassados. Os Estados, ao seu turno, foram deixando de devolver para as empresas exportadoras, ao tempo e à hora, os créditos de Icms por elas acumulados.

  • Como antes se averbara, a União passou, sistematicamente, a ampliar suas receitas tributárias mediante a incidência de contribuições sociais (Pis e Cofins) sobre produção e consumo, bases econômicas clássicas de percussão do Icms. E mais: instituiu, também, a cobrança de Pis e Cofins nas importações. (As contribuições sociais representam receita exclusiva da União, não partilháveis com Estados e Municípios.)
  • Não é de estranhar, portanto, que, à míngua de um programa harmônico e articulado entre União, Estados e Municípios para extrair recursos da sociedade pela via de tributos, gerou-se um ambiente propício de estimulação à disputa por receita pública.
  • Cada Estado, assumindo sua condição de ente subnacional, tratou, autonomamente, de manejar instrumentos próprios para incentivar o florescimento e a expansão de negócios em seu respectivo território, mediante a concessão de benefícios fiscais os mais variados, mesmo à revelia do Confaz.(A lei exige autorização desse Órgão para a instituição de benefícios tributários.)
  • Este panorama foi sendo desenhado ao longo dos anos e o arcabouço legal para implementar a dita “guerra fiscal” foi erigido em um contexto de forte expansão da carga tributária brasileira como proporção do PIB (hoje, em torno de 32%).

Diante disso, também é perfeitamente admissível entender-se que os benefícios fiscais concedidos pelos entes tributantes (União, Estados e Municípios) representam tão somente um eufemismo justificador da atenuação de ônus tão elevado para um País em desenvolvimento.

  • Tendo em conta que as relações entre Estado e cidadão devem se pautar pelos princípios da segurança jurídica e da boa fé, outro valor – o da moralidade pública – há de impor a convalidação de todos os procedimentos, todos os atos praticados pelo cidadão (contribuinte) ao ser proclamada a inconstitucionalidade ou ilegalidade de determinado preceito que contemple minoração de carga tributária por via de incentivos fiscais, ora aqui tidos aqueles concedidos pelos Estados sem arrimo em deliberação do Confaz.(Em rigor, isso aconteceu com a edição da Lei Complementar 160, de 2017.)
  • Infere-se dessas considerações que, a ausência de uma política estratégica para a Nação prosperar economicamente, as órbitas subnacionais de poder político (Estados e Municípios) continuarão a erigir, por iniciativa própria, ferramentas para talhar, balizar os seus respectivos programas de desenvolvimento.

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• Providência similar, com engenho e arte, há de ser adotada pelos administradores públicos dos entes subnacionais – informa-nos a evolução histórica nessa seara – sempre que ocorrer a retirada de algum incentivo fiscal do mundo jurídico.

  • Tudo assim considerado, é necessário concluir que, no Brasil, ainda viceja elevada instabilidade no campo tributário, a impor embaraços à planificação segura e sem sobressaltos dos negócios. É que o sistema de tributação brasileiro foi modelado de sorte a extrair recursos da sociedade preponderantemente pela via de incidência dos denominados tributos “indiretos”, que se incrustam nos preços dos bens e serviços. (Mais de 75% das receitas tributárias da União, Estados e Municípios são levadas aos erários pelas pessoas jurídicas.)

Percebe-se, portanto, que nossos governantes apreenderam muito bem as lições do Ministro das Finanças do Rei Luís XIV, Jean Baptiste Colbert (séc. XVII), segundo o qual a “a arte da tributação consiste em arrancar o máximo de penas de um ganso com o mínimo de grasnidos”. As empresas, entes abstratos, não foram dotadas do poder de ‘grasnir’, embora lhes sejam arrancadas tantas penas.)

Atualizado em outubro de 2019.

MaurílioL.Schmitt
Economista

HeronArzua
Advogado

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