A administração de uma pessoa jurídica implica em assunção de riscos de diferentes esferas ao administrador, tais como no âmbito civil, penal, consumidor, trabalhista, previdenciário, ambiental, tributário, concorrencial e falimentar. O executivo se vê, a todo momento, premido a tomar importantes decisões, as quais, quase sempre, causarão impactos externos, sejam eles positivos ou negativos. Furtar-se à decisão não é uma opção; e mesmo que fosse, igualmente geraria seus impactos, pelos quais também responderia o administrador (por omissão). Esse assunto ganhou contornos de maior relevância a partir da crise de 2008, quando grandes companhias demandaram judicialmente seus administradores, em razão de danos causados pela má gestão destes.
Albert Einsten, o mais festejado cientista do século XX, dizia que a crise é a melhor benção que pode ocorrer com as pessoas e com os países, porque traz progressos. Dizia também que é na crise que nascem as invenções, os descobrimentos e as grandes estratégias. E foi num ambiente de muita tensão, vivido na década de 1930, em consequência da crise econômica de 1929 (período conhecido como A Grande Depressão), que surgiu, no mercado norte-americano, o seguro de responsabilidade civil de administradores, conhecido como D&O (abreviatura em inglês para Directors and Officers Liability Insurance).
No Brasil, este tipo de seguro começou a ser difundido quando do processo de privatização por que passou o país, no final da década de 1990, com a vinda de executivos de multinacionais para cá, os quais trouxeram essa cultura para terras brasileiras.
Embora, no Brasil, a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados), autarquia federal responsável pelo controle e fiscalização do setor, denomine esse seguro de responsabilidade civil de administradores e diretores, adota-se, no mercado segurador, uma interpretação mais abrangente. Com isso, é possível contratá-lo para diretores não estatutários, gerentes, supervisores, procuradores e empregados que desempenhem funções gerenciais e/ou que tomem decisões pela empresa.
Importante salientar também que, conquanto seja denominado como seguro de responsabilidade civil, mediante contratação de extensões específicas pode abarcar cobertura para outros campos de responsabilização, como os da esfera administrativa, criminal, trabalhista, tributária entre outras. Ainda no que se refere às coberturas, o D&O é conceituado como all risks, ou seja, cobre todos os prejuízos (dentro do escopo contratual), excetuando-se os expressamente excluídos. De grande relevância, aliás, verificar se o produto que está sendo contratado atende às necessidades da empresa, analisando se é necessário buscar extensões de cobertura ou coberturas adicionais para riscos a que a companhia esteja sujeita.
Este tipo de seguro, no Brasil, é comumente contratado pela pessoa jurídica, e não pelo administrador. Isso se deve ao fato do seguro ser precificado, dentre outras variáveis, com base no faturamento da empresa e outras especificidades do seu negócio, informações das quais somente a companhia pode dispor. Qualquer empresa, tais como sociedades limitadas, sociedades anônimas, fundações ou associações, pode contratar tal modalidade securitária, atendidos os critérios de seleção do ente segurador.
Como ocorre com qualquer seguro, antes da contratação é colhida uma proposta onde são obtidas informações sobre o proponente, tais como sobre sua situação contábil, número de sócios e administradores, território de atuação, seu core business etc. Essas informações são essenciais para que haja o dimensionamento e a seleção do risco, momento nevrálgico da contratação. Uma vez não enfrentado com os cuidados e a responsabilidade necessários, pode gerar, no futuro, negativas em caso de sinistros (que é a concretização dos acontecimentos previstos no contrato de seguro). Isso pode se dar quando, por exemplo, são passadas informações defasadas ou que não correspondam à realidade da empresa.
Uma vez dimensionado e aceito o risco, é precificado o contrato, com o estabelecimento do valor do prêmio devido, que nada mais é do que a contraprestação paga ao ente segurador, a qual, nesses casos, geralmente é de responsabilidade da pessoa jurídica tomadora do seguro.
As coberturas oferecidas no seguro D&O são, em geral, (i) quanto aos custos de defesa do segurado, em processos administrativos e/ou judiciais em que porventura seja demandado, e (ii) indenização pelos prejuízos gerados por si a terceiros, causados no exercício dos seus atos de gestão da empresa, que não sejam realizados com dolo ou culpa grave, e pelos quais venha a ser responsabilizado.
Importante alertar que, para fazer jus à indenização securitária, a reparação dos danos causados pelo administrador há que estar consubstanciada em condenações judiciais transitadas em julgado (que não caiba mais recurso), ou em decisões administrativas ou arbitrais finais. Para o caso de acordos judiciais e/ou extrajudiciais, imprescindível a aprovação da seguradora.
A cobertura é contratada em favor do administrador, que é o segurado da relação. No entanto, se a empresa tomadora vier a adiantar pagamentos de responsabilidade do seu gestor, referentes a eventos cobertos e desde que haja prévia e expressa autorização da seguradora (ressalva importantíssima, pois assim não procedendo pode perder a cobertura), será reembolsada da quantia despendida, sempre, evidentemente, nos limites da apólice contratada.
Como é próprio dos seguros, também o D&O cumpre relevante papel social. Dentre outras de suas funcionalidades que evidenciam esse mister, vale destacar a segurança proporcionada (i) ao patrimônio do administrador, seu objetivo principal; (ii) aos investidores e aos terceiros que se relacionam com a empresa, que se sentem mais protegidos em realizar negócios com a companhia, servindo, aqui, o seguro, inclusive, como importante ferramenta de governança corporativa; (iii) à própria pessoa jurídica, que pode evitar um custo com reparações que porventura seja responsabilizada, em razão de atos de gestão do seu administrador; (iv) ao executivo, que pode tomar suas decisões – que são muitas e de diferentes espectros de impacto – com maior tranquilidade, vez que, com o conforto do seguro as tomará com menos temores, proporcionando, isso, em tese, maior eficiência na sua gestão; (v) ao próprio Estado e à sociedade como um todo, na medida em que a criação de condições mais favoráveis de reparação de um dano gera confiabilidade ao sempre complexo ambiente corporativo, favorecendo o funcionamento do mercado, o que é de inegável importância a qualquer nação civilizada.
Pelo que se expôs, vê-se a utilidade e a importância dessa modalidade securitária, que já é bastante difundida no exterior (sendo comercializada, inclusive, junto a síndicos de condomínios nos EUA), e que no cenário nacional vem, gradualmente, conquistando visibilidade e a atenção do mundo empresarial.
Luiz Assi, advogado sócio na Cabanellos Advocacia, especialista em Relações de Consumo, Responsabilidade Civil e Direito dos Seguros.