Depois de enfrentar retração de 1,5% no faturamento no ano passado, o setor supermercadista brasileiro acredita em uma melhora lenta e gradual da economia, que deve se traduzir em crescimento real de 1,3% neste ano. A expectativa de tempos melhores, porém, não muda o fato de que as dificuldades econômicas dos últimos anos provocaram alterações nos hábitos de compra dos consumidores e que estes poderão persistir mesmo no pós¬-crise, afetando as vendas.
Entre essas mudanças está a volta da “compra do mês”, o costume dos tempos da hiperinflação em que as pessoas corriam ao supermercado quando recebiam o salário para preservar o poder de compra. “Esse fenômeno vem acontecendo há uns dois anos. Mas, ao invés de ir para o hipermercado, como acontecia antes, os consumidores estão procurando mais o atacarejo, que oferece preços melhores”, diz a diretora de atendimento ao varejo da Nielsen, Daniela Toledo.
De acordo com ela, o atacarejo já vinha crescendo em número de lojas e em faturamento antes da crise, mas ganhou mais força à medida que o bolso do consumidor ficou mais apertado. Os dados da Nielsen mostram que no ano passado o faturamento nominal do segmento cresceu 30% na comparação com o ano anterior, número bem superior aos 16,1% registrados em 2015. Considerando o valor deflacionado, a alta foi de 14,8%, enquanto, nos hipermercados, houve queda de 5,9%.
Outra alteração importante diz respeito às marcas. Em 2016, os consumidores não só colocaram menos itens no carrinho como também abandonaram seus produtos preferidos para adquirir similares mais baratos. O consumo da cesta pesquisada pela Nielsen, que inclui produtos de limpeza, higiene e beleza, bebidas, perecíveis e outros itens de mercearia, recuou 5,8% no ano passado.
Pesquisa com consumidores mostrou que 42% migraram para marcas mais econômicas. Apenas 22% disseram que diminuíram o gasto no supermercado sem trocar de marcas. Segundo Daniela, a substituição foi generalizada em todas as cestas de produtos. “Há dois ou três anos, trocar de marcas estava em sexto lugar na lista de ações apontadas pelo consumidor como estratégias para economizar. Antes disso, havia outros itens para cortar, como viagens e entretenimento. Mas a crise já durou tanto tempo que as outras opções já foram realizadas e a troca de marcas se tornou a primeira ação para diminuir gastos.”
Mudanças de hábitos e freio no consumo impactaram nos números do setor de supermercados, que faturou R$ 338 bilhões no ano passado em nível nacional, mas teve seu crescimento nominal de 7,1% corroído pela inflação. Regionalmente, houve exceções, como São Paulo, que faturou R$ 102 bilhões e conseguiu manter o faturamento real positivo em 1,1%. “Esperamos uma recuperação lenta este ano. Os trabalhadores que tiveram seus dissídios até o mês passado receberam correções de 9% ou 10% e vão consumir produtos com correção de 4% a 5%, que é a inflação prevista para este ano. Isso vai dar um fôlego para o consumo”, acredita João Sanzovo Neto, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
Daniela Toledo, da Nielsen, também espera recuperação gradativa da economia, mas ressalta que a reação do consumo só deverá ser sentida um pouco mais para frente. “Após a crise, o consumidor provavelmente vai manter a cautela e não irá aumentar o consumo imediatamente. Além disso, ele poderá incorporar alguns dos hábitos de consumo adquiridos durante os anos difíceis”, diz ela.
Fonte: Valor Online